SEMÂNTICA DAS PERGUNTAS INDIRETAS: O CASO DE “QUEM NUNCA?”

  • Marcelo Giovannetti Ferreira Luz Universidade Federal de Roraima (UFRR)

Resumo

A Semântica é o ramo da Linguística que questiona os significados, não só das palavras, como também das sentenças. É comum verificarmos a existência de várias ramificações do que se entende por "semântica" em outras especificidades, tais como a Semântica Formal, a Semântica da Enunciação, a Semântica Cognitiva entre outras. Tomando como base teórico-metodológica a Semântica Formal, em conjunto com a Sintaxe Gerativa, neste trabalho, procuraremos verificar o significado de expressões tais como "Quem nunca?", de modo a tentar compreender a interpretação de expressões do tipo "Brincar de soltar fumaça pela boca no frio. Quem nunca?" ou "Uma entrada rápida no perfil da pessoa para atualizar o ciúmes. E quem não?". Nossa hipótese inicial é a de que há uma modificação na estruturação das sentenças interrogativas diretas, isto é, aquelas que se iniciam com partículas Qu-, acompanhada por uma mudança no aspecto verbal, de modo que o infinitivo passe a ter o aspecto semântico do indicativo.

Nosso corpus é formado por construções efetivamente produzidas por falantes da Língua Portuguesa em várias condições específicas, quer sejam faladas ou escritas, em ambientes virtuais ou não. Borges Neto (2007) afirma que em Língua Portuguesa, temos dois tipos básicos de perguntas: as abertas, do tipo "De quem José gosta?", e as chamadas sim/não, como "Antônio viu João?". Para a Semântica Formal, o objetivo é analisar quais são as condições que fazem uma sentença verdadeira, ou seja, suas condições de verdade. No caso de uma sentença interrogativa, o que interessa à Semântica Formal é saber o conjunto de entidades que satisfaça a condição José gosta x, ou seja, {x; José gosta de x}. Esse tratamento nos levaria a compreender o que torna uma expressão do tipo "Quem nunca?" verdadeira; no entanto, nosso objetivo é tentar compreender a relação estabelecida entre o deslocamento dessa partícula Qu- e sua relação com a mudança de modo e aspecto verbais.

Além de verificarmos essa relação existente entre modo e aspecto verbais e o deslocamento da partícula interrogativa, buscaremos compreender como se dá o funcionamento para a interpretação da elipse em situações como (i) "Tô orando por vc que passa horas arrumando a franja antes de tirar foto. Quem não. ..????", em que temos um complemento de oração relacionado à oração anterior. Contudo, diferentemente dos exemplos acima, neste caso, temos uma mudança do aspecto verbal. Assim, nossa pesquisa tenta abranger três pontos em específico, quais sejam, a semântica das perguntas abertas; o movimento da partícula Qu-; a relação desse movimento com a mudança de aspecto verbal nas perguntas abertas. É interessante notarmos, também, a relação de escopo da pergunta "Quem não" no último exemplo, na medida em que ela pode se relacionar tanto a "arrumar a franja antes de tirar foto" quanto a "Tô orando por vc que passa horas arrumando a franja"; ou seja, o que temos aí é uma ambiguidade não sintática, mas de escopo, uma vez que ela não decorre de um item lexical ambíguo, nem podemos reconhecer duas estruturações sintáticas possíveis. Essa ambiguidade decorre da estrutura semântica da sentença, que gera duas interpretações; uma em que a pergunta recai sobre o primeiro evento, outra que recai sobre o segundo evento. Vale ressaltar a impossibilidade de se reestruturar sintaticamente a sentença, de modo a acabar com a ambiguidade.

A intuição de falante nos permitiria dirimir essa ambiguidade no sentido de uma interpretação que considerasse a pergunta recaindo sobre a primeira oração da sentença, qual seja "Tô orando por vc (...)", na medida em que questiona uma possível generalização das pessoas que estão orando por quem passa horas arrumando a franja; uma interpretação que fizesse a pergunta recair sobre a segunda parte do enunciado [(...) vc que passa horas arrumando a franja] desconsideraria o caráter restritivo dessa sentença sobre a principal [Tô orando por vc], criando um sentido que generalizaria o evento "passar horas arrumando a franja". Assim, a interpretação "Quem não passa horas arrumando a franja antes de tirar foto?" teria como pressuposto que toda pessoa possui franja e gasta um longo tempo tentando arrumá-la; em termos formais, poderíamos ter a seguinte interpretação para o último caso: ∃x; x passa horas arrumando a franja antes de tirar foto.

 

 

Publicado
2013-12-27